sexta-feira, 8 de maio de 2009

Gritos em Silêncio

Chagas abertas
‘Inda não cicatrizadas
Nunca d’antes tocadas.

Feridas por vezes abafadas
Disfarçadas, maquiadas
Mas que ainda estão aqui.

Surgiste sem pedir licença
Desbravando mares bravios
Agora águas turvas e paradas
Sobre lençóis d’água revoltos
No entanto, solitários, soltos
A busca de nova embarcação

Que desvende teus mistérios
Exponha novamente impropérios
Mantidos em velado silêncio
E navegue, embora singelo
Mas que ‘inda cause espanto
No entanto
Em um coração cansado
Mas que insiste em continuar batendo

Lançando o sangue por túneis escuros
Alimentando extremidades
Deste corpo conservado gélido
Como se estivesse à espreita

Do sentimento mais nobre
Que se aproxima e o mal encobre
Deixando para trás a imponência dos cortes
Que ficarão esquecidos
Pelo amor que começou.

Rosana Kolaga

Fim do Espetáculo

Eleva-se a lona
O último palhaço partiu
Desfez-se o picadeiro
Apagou-se até a penumbra
E a solidão me invadiu

Acabou-se a festa
Os convidados se foram
E eu fiquei só
Num canto esquecido
Juntando confete e pó

Não ouço a música
Que ha pouco enchia o salão
As vozes, os risos
Ensurdeceram o meu coração

Que anda vagando
Em busca de um pouco de cor
Amor? Nele já nao acredito
Sentimento abstrato que rima com dor

E a dor, o vazio, o picadeiro desfeito
Os poucos confetes no chão
O silêncio, o frio, o escuro
Novamente encontro a solidão

Tiro o vestido
A maquiagem que disfarçava a dor
Descalço os sapatos
Novamente me encontro comigo
A quem tanto tento evitar

Criando personagens, desenhos, imagens...
Tentando convencer a platéia
De uma felicidade que nunca senti
Mas que para me sentir aceitável
Insisto em representar.

Rosana Kolaga

Envelhecendo

Certo dia me encarei
Frente a frente no espelho
Confesso, fiquei vermelho
Com as coisas que ali vi.

Em cada marca do meu rosto
Vi dor, amor, ilusão e desgosto
Mas vi luz, com certo esforço
Das boas coisas que vivi.

Nos meus olhos, entretanto
Observei com grande espanto
Que aquele velho brilho
Há muito se apagou.
Pra onde foi, não me pergunte
Apenas não está mais ali.

Vi uma ruga, danada!
Apareceu desatinada
Nem eu mesma percebi!

Vi que os anos passaram voando
Escrevendo no quadro mais santo
Pintado por Nosso Senhor.

Amores vividos
Tristezas
Rancor
Fraqueza

As coisas que fiz e não fiz.

Meu rosto conta a história
Mas só eu guardo a real memória
Do que se passou por aqui.

Rosana Kolaga

Enquanto a Noite Teima em Não Cair

Enquanto a noite teima em não cair
Uma ânsia louca
Subitamente se apodera de mim

Como por encanto
As horas passam lentamente
Numa valsa indolente
Que parece não ter fim

Tua imagem
‘Inda guardo na lembrança
Cada vez mais nebulosa
Camuflada
Pelo negrume da solidão

Ó amor
Por que não retornas?
Noite e dia neste cais
As ondas a se quebrar nas pedras
Tua presença cada vez mais distante
E meu coração que anda errante
Trôpego
Bêbado
Cambaleante
Na neblina da noite fria
Não consegue te encontrar

As paredes do meu quarto solitário
Parecem ter encontro marcado
Sobre mim, na fria cama

Coração de porcelana
Alma sã, agora insana
Perdida num céu de nirvana
Anseia pelo ar que expiras
E que trás de teu interior
O sentimento mais profundo
Que já não cabe no mundo

Por esse motivo partiste
Min’alma vagueia triste
Nenhuma luz mais existe
Nem luar no escuro da solidão

Olho a janela buscando teus passos
No vazio do palácio da dor que não tem fim
E suspiro a todo tempo
Esperando o momento
Que regresses para mim...

Rosana Kolaga

Em Vão

Passou tempo demais desde a tua partida
Passou tempo demais na ponte da minha vida
Tempo demais se passou após nossa despedida

Tu quebraste com tua ausência
Todos os sonhos meus
Tu roubaste minha essência
E tudo que era meu

Não soubeste compreender o destempero
Meio ao desespero do adeus
Não ouviste meus pedidos
Ignoraste o pranto meu

E por tanta desilusão
Por tua incompreensão
Pelo teu ingrato desamor
Sou eu agora que te digo adeus!

Rosana Kolaga

Desatinada Distância

Por que não estás aqui?
Tento dormir, mas não sinto teu cheiro.
Procuro-te ao lado do meu travesseiro
Mas não te encontro...

Será sonho ou será verdadeiro?
Será possível um amor tão derradeiro?
Que deseje quebrar as distâncias para encontra o companheiro?

Assim, para minha vida tu vieste.
Do nada surgiste,
Jogaste a lógica para escanteio
E agora? Que fazer com meu desnorteio?

Vejo teu rosto em cada face,
Durante um breve passeio.
Sinto tua mão em meu corpo,
Acompanhada de um ansioso desespero.

Quero-te perto
E por inteiro.
Quero-te o último
E derradeiro.

Viver teu sonho
Distante companheiro.
A todo tempo
Sem desespero.

Tua doce voz me acalenta.
Gosto de ouvir o teu conselho...
Gosto do teu corpo, da tua imagem no espelho.
Da tua mão deslizando o meu corpo inteiro...

Voa pra mim...
Voa ligeiro!
Não espere o tempo
Mal conselheiro!

Salte da arquibancada para o picadeiro
Não seja expectador da vida
Meu amor,
Distante companheiro...

Rosana Kolaga

Com Sonho Partir

Quero partir numa nuvem fria
Sem nenhuma regalia
Rápida como um furacão

Pois já me cansei dessa monotonia
Dessa grande hipocrisia
Ser mais uma na multidão

O meu pranto é enfadonho
Sinto um frio medonho
Abraçar meu coração

Que não mais pulsa, fibrila
sem força, descompasado
Ao som de mudo violão

Os meus sonhos de menina
Se perderam pela vida
Os anos voltam mais não

A cada dia vivido
Sinto o peito doído
Moído pela solidão

Sou árvore que não deu fruto
Planta que não deu flor
Semente que não germinou

Me sinto assim, vazia
Sem nenhuma alegria
Prisioneira sem prisão

Me encarcerei em mim mesma
Me fechei a sete chaves
Sou toda desilusão

Amar é utopia
Não venha com hipocrisia
Iludir minha aflição.

Rosana Kolaga

Bruxa ou Cinderela?

Tenho um encontro
Comigo mesma
Com meus fantasmas
Marcado è esmo.

Em um vazio canto
De alma pálida
Pintarei cores
De forma esquálida.

Desconheço a mim
No espelho mirada
Não encontro a glória
Pela infância ansiada.

Não há o brilho dos filmes
De amor
Sozinha à deriva
Em um barco de dor.

Não sei o que vestir
Nem como me maquiar
Já conheço meus disfarces
Não quero mais me camuflar.

Nua irei ao meu encontro
De meus (pré) conceitos despida
Espero que me reconheça
E conceba minha própria vida.

Não sei se gostarei
Da pessoa à minha espera
Pois passei a vida inteira
A me espreitar pela janela.

Dor e flor
Perfume de canela
No fundo do peito resiste
Uma esperança singela.

Desça da janela,
Gentil Cinderela
Desperte deste sono
Enfrenta a vida (que é bela?)

Desça mesmo se for
Uma feiticeira velha
Estarei com os braços abertos
A esperar, seja bruxa ou donzela.

E, seja lá quem for eu
Ou quem for ela
Estarei à espera
da bela ou da fera.

Rosana Kolaga

Anjo Só

Queria entrar um casulo
E só sair de lá borboleta
Cansei de rastejar como lagarta.

Preciso alçar um vôo mais alto
Preciso descansar do sobressalto
Ficar na paz, ficar mais calma.

Quero agora descansar
Quer parar de tanto procurar
Já que nunca encontro nada.

Aliás,
Preciso antes me encontrar
Para somente depois me entregar
Se é que ainda existe alma.

Iwanik Niva

Adeus!

De onde você surgiu?
Chegou sem avisar
Derrubando as muralhas
Que custei a levantar

Me trouxe a ilusão
De que tudo ia mudar
E que uma nova vida
Junto à minha ia formar

Pensei que fosse amor
Que vinha visitar
Um triste coração
Cansado de esperar

Agora triste eu sei
Que algo em mim mudou
A sua indiferença
Mais fria me tornou

Agora eu peço... vai...
Não olhe para trás
Não volte mais aqui
Preciso me recuperar

A culpa foi só minha
Não podia deixar
Um sonho impossível
Meus pensamentos dominar

Eu que já sofri
A dor do desamor
Já deveria imaginar
Que a emoção ia passar

E aquela atração
Que se fingiu de amor
Tão rápido quanto chegou
Iria enfim me abandonar

Hoje ainda só
Não quero mais ouvir falar
Você só trouxe dor
Não quero mais sonhar...

Iwanik Niva

Partir,Voltar, Cair e Recear Acertar

Por quantas vezes por medo de cair deixei de andar?
Tantas vezes deixei de tentar por medo de não conseguir...
Muitas vezes por querer ficar deixei de partir.
E agora me vejo parada, sem saber para onde seguir.

Quisera de volta o vigor da juventude
A inquietude de quem pensa o mundo poder mudar.
Mas a descrença me tomou pelas mãos
Desisti antes mesmo de tentar.

Muitas vezes, porém,
Precipitadamente me atirei
Em caminhos que pareciam certos
Mas onde certamente me enganei.

E a cada deslize que cometo
Em cada tropeço que caio
Cada vez que me desmorono
Sinto-me um simples espantalho.

Os corvos pousam em meus braços
Como que caçoando do meu embaraço.
Nem a tão simples obra me presto
Apesar do peso do meu cansaço.

Mas quando menos espero as forças me voltam
Do abismo ressurge a vontade
E, mesmo abatida, ergo novamente a cabeça.
E fito o horizonte antes que o sol desapareça.

Vejo, porém, que ao contrário do que penso,
O mundo não gira ao meu redor
Deixo de lado o egocentrismo
E tento transmutar esses escombros em algo melhor.

Ainda creio no amor mesmo que não me apeteça
Ainda acredito em algo mesmo que eu desconheça
Continuarei errando se essa é minha sentença
Até o dia em que eu  desvaneça.

Rosana Kolaga

Acorda, Alice!

Pensamentos torturantes
Que me cercam dia e noite
Que esmagam minha mente
E me tornam dioturno errante.

Cambaleio em passos trôpegos
Como um bêbado o faria
Tropeçando nas lembranças
De alguém que eu tive um dia

Que me propôs um castelo
Que nossos sonhos abrigaria
Mas as paredes eram de nuvem
Ou de má alvenaria

E o sonho da plebéia
De tornar-se princesa um dia
Se desfez como as paredes
Do castelo-alegoria.

E o príncepe valente
Que a tudo (disse) enfrentaria
Se lacrou em armadura
E se perdeu na ventania

E a gata-borralheira
Que se viu rainha um dia
Anda pelas ruas com o rosto pálido
Sem um traço de alegria

No seu peito só escombros
Da vida que levaria
Do sonho nunca vivido
E do fim da fantasia.

Rosana Kolaga